quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A regra do jogo

A regra do jogo Publicado em 18/03/2009 por Airton

Estou me sentindo, desde alguns anos atrás, muito mais velho do que sou. Se por um lado isso é muito ruim (por quê? Não sei, mas dizem que é), por outro eu me sinto mais apto a fazer reflexões sobre o passado (com a sorte de o tal ‘passado’ estar fresco na memória).

Dia desses eu estava assistindo ao DVD Acústico MTV Legião Urbana. Pela centésima vez, provavelmente, mas pela primeira vez desde que destronei Renato Russo.

Talvez eu tenha superestimado ele durante algum tempo, mas é indubitável que sinto uma afinação muito grande com as letras de Renato. Minha consciência negra sente a mesma afinação com as letras dos Racionais MCs, mas isso é outro assunto.

Fiquei olhando para aquela bicha tímida e feia e tentava lembrar por que eu tinha sido (ou ainda sou?) seu fã tão ardoroso. Acho que hoje posso fazer uma análise mais imparcial disto.

O cara escreveu exatamente o que sentem os mais sensíveis adolescentes, sejam eles apaixonados com dor-de-cotovelo, inconformados com a situação do país ou indecisos quanto a sua opção sexual.

Mas minha afinação do momento é com Arnaldo Jabor. Harmonia maior cada vez que ele me descreve sem querer, como quando ele conta um período de sua vida nos Estados Unidos:

…eu fazia um sucesso inicial e logo depois perdia pontos, devido à minha vocação natural para virgem romântico, que se apaixonava com facilidade. Emily me descurtiu quando eu cantei “I’ve got you under my skin” em seu ouvido, trêmulo de paixão. Melinda perdeu o amor por mim quando viu lágrimas rolando em meu rosto ao fim da projeção de An affair to remember. Linda simplesmente sumiu com Warren. (Arnaldo Jabor, A invasão das salsichas gigantes)

Eu, que agora quase chorei antes do final de Lendas da Paixão, estou saturado de não saber jogar segundo as regras do jogo. Meu descompasso vem desde os 12 anos, antes de eu ficar com a primeira menina da minha vida.

Foi assim: uma amiga da prima de um colega de escola se interessou por mim. Combinaram para a gente se encontrar numa sala de aula que estaria vazia durante o recreio. Isso foi em 1997. Nesta época usava-se a expressão ‘colocar na fita’, que significava que uma pessoa faria todo o trabalho de preparação e você só chegaria para executar o serviço. Ela fazia tudo. Só faltava segurar a cabeça dos dois e juntar uma na outra para que se beijassem. Hoje acho que ele só verifica qual seria a recepção a uma investida e dá o ‘OK – 0 killed –, ninguém vai morrer se você der uma idéia nela’.

Me lembro bem da cena: ela encostada na parede, numa posição receptiva, passiva, oferecida, aguardando que eu fizesse meu papel. Hoje, quando olho para trás, vejo exatamente o que eu deveria fazer: o papel de macho. Em vez disso, fui um cavalheiro. Puxei sua mão (imagino ela pensando: Uau! Em vez de me espremer na parede, ele vai me puxar e me agarrar, que homem!) e nos sentamos em cadeiras diferentes para conversar.

Já naquela época eu não conseguia entender alguém ficar com uma pessoa simplesmente pela sua aparência. Quis conversar, conhecer melhor a menina e ver se valia a pena. Acabou o recreio e nada físico aconteceu. Continuei BV e ainda adquiri a fama de lento que me acompanha até hoje. Já sei fazer o papel de macho quando necessário; só ainda não sei muito bem definir quando é necessário.

A hetaira [Na antiga Grécia, mulher dissoluta, cortesã / Prostituta elegante e distinta.] moderna não é uma marginal; ela está no centro de sistema, como os advogados, banqueiros ou dentistas. A mídia e a Internet exibem o seu sucesso. (…) Esse papo da “Pretty Woman” já era. elas não querem ser salvas por algum babaca romântico. (Ibidem)

Não sei se acontece com vocês, mas acho que os bons artistas (como Russo e Jabor) têm a habilidade de expressar, na sua arte, os sentimentos de cada um de nós. Jabor, com esse texto daí de cima, explica muitas coisas que vêm acontecendo comigo e materializa em palavras uma teoria que era completamente etérea para mim.

Eu sou um rapaz bonzinho e sempre tive, no fundo do ser, o sonho de salvar alguma prostituta que, como Jabor diz:

No ar dos prostíbulos flutuava uma doce tristeza por um amor impossível. (…)
- Por que você caiu nessa vida?
- Ah… meu noivo me fez mal, meu pai me expulsou…
- Mas, por que você não larga essa vida?
(Ib.)

Novamente, nasci na época errada.

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